Especial Harry Potter - Crítica

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Depois de quase um mês de posts, o Especial Harry Potter chega ao fim com a crítica do filme. Muito se tem a falar depois de oito episódios. A saga, que passou pelos diretores Chris Columbus (HP 1 e 2), Alfonso Cuarón (HP 3) e Mike Newell (HP 4), entregou a David Yates a missão de concluir a série com os últimos quatro filmes. Como seria algo quase impensável ver um único diretor comandando tantos filmes em sequência da mesma franquia, ao menos no final era importante dar esse padrão cinematográfico, para que os caminhos da história pudessem afunilar de maneira mais uniforme. 

O início em uma aposta segura

Por mais contraditório que possa parecer, talvez o trabalho mais árduo tenha se iniciado com Chris Columbus. Introduzir um conto já estabelecido com enorme sucesso em sete obras da literatura infanto-juvenil poderia ser um tiro no pé. Não é exagero dizer que havia um medo enorme de se desperdiçar um dos maiores potenciais mercadológicos que a indústria audiovisual e artística possuía. Embora Hollywood não hesitasse reformular tudo novamente se fosse preciso, o desgaste seria muito alto para personagens tão icônicos da atual cultura pop. 

Mas Harry Potter estava fadado ao sucesso. Como segurança, J. K. Rowling se manteve à frente do projeto e não deixou em nenhum momento que algum outro nome pudesse se sobressair mais que sua própria criação. O que certamente funcionou no início. O universo fantástico de Hogwarts chegou à tela da maneira mais apresentável que qualquer fã poderia imaginar. O desafio real era ter um elenco de crianças e jovens à altura da produção e pelos próximos dez anos. Hoje, é notório o amadurecimento do grupo principal de Harry (Daniel Radcliff), Hermione (Emma Watsonn) e Ron (Rupert Grint). 

A atuação ingênua e por vezes exagerada no início da franquia até transmitia o clima ideal daquele momento. Se tudo era incrivelmente novo para aqueles personagens, a mesma sensação era encontrada em cada leitor mirim ao ter contato pela primeira vez com um mundo mágico. Assim, Chris Columbus conduziu "Harry Potter e a Pedra Filosofal" e "Harry Potter e a Câmara Secreta" não apenas para fazer uma aventura com crianças, mas para introduzir o cinema na vida das pequenas celebridades e levar a experiência necessária de quem alçou Macaulay Culkin ao estrondoso sucesso com "Esqueceram de Mim 1 e 2". Era preciso não apenas fazer um "Goonies" dessa geração, mas cuidar do talento e do deslumbre de cada um. Definitivamente, foi o Winguardium Leviosa  da saga!


O momento de transição com Alfonso Cuarón

Primeiro passo estabelecido, Dumbledore e Aquele-Que-Não-Podemos-Mencionar já começavam a se configurar como o Obi-Wan Kenobi e Darth Vader daqueles que nasceram pós-1990. Se Harry Potter não era uma Trilogia, e os dois primeiros filmes já haviam dado garantias suficientes para as próximas continuações, o terceiro filme da série poderia arriscar sem medo e ir mais a fundo em determinados temas. Alfonso Cuarón veio para a direção, o que poderia representar uma abordagem mais autoral, mesmo que dentro da proposta já consolidada. O clima de fantasia colorida e coragem desmedida, que só as crianças  e os verdadeiros heróis tem, dariam lugar ao ambiente mais sombrio e da real noção do perigo.

Nesse sentido, o diretor mexicano fez o que pode, dentro dos limites. Aqui, seria o momento em que a história avançaria de maneira significativa. Trocam-se os uniformes tradicionais e puristas de Hogwarts por roupas mais urbanas. A passagem da infância à adolescência normalmente é turbulenta, surgem crises de identidade e procura-se livrar de certos estigmas infantis. Ainda mais quando se tem a informação de que um perigoso prisioneiro está à solta a sua procura. Era o momento em que o medo e aflição dos personagens seriam testados.

O que fazer quando se é encurralado por seres que podem sugar sua energia? Como entender que o destino é capaz de lhe conceder um peso ainda maior do que aquele que já possui? Se Dementadores ou o Sirius Black já impõe certa carga de pânico, a chegada da própria adolescência pode ser ainda mais temerosa. São elementos complexos que começam a ser introduzidos. E Alfonso Cuarón oferece o que tem de melhor em termos técnicos, indicando que as experimentações estéticas podem funcionar mais a frente. Mas é o momento em que a história cai na terrível síndrome das adaptações, quando a narrativa necessita da obra original para o todo. Uma liberdade maior ao diretor poderia ter gerado um roteiro mais astuto e menos dependente de Rowling.


A ascensão de Voldemort 

Mas os erros são aprendidos e o avanços implementados são aprimorados. Assim, "Harry Potter e o Cálice de Fogo", com a direção de Mike Newell, consegue ser o eixo que o filme anterior ensaiava. O amadurecimento e a mudança de postura são visíveis. O medo, que se iniciava no filme anterior, sai do terreno psicológico e passa a ser sentido em dor, sangue e perda. É o momento em que as convicções tomam forma. Aqui é o ponto chave da franquia, apresenta-se o que o bruxo pode ser capaz de fazer e o que ele realmente deve temer.

Ralph Fiennes finalmente aparece como o marcante Lorde das Trevas. É como se os filmes anteriores fossem apenas motivos para que a entrada de Voldemort pudesse ser triunfal. Toda a lenda que vinha sendo contada  eclode no breve reencontro entre a figura maléfica e Harry. Imagina-se os dois lado a lado em um ringue. O locutor aponta para o lado direito, descreve o histórico de Harry Potter e a plateia faz o seu "ohh!". O locutor aponta para o lado esquerdo, que estava oculto até o momento, anuncia com entusiasmo as tantas vitórias por nocaute de Voldemort. A luz acende e revela o tão falado oponente, levando a plateia ao delírio, com a expectativa em êxtase para o início da luta. Avada Kedrava!



O vácuo da franquia

Depois que o primeiro embate passa, no entanto, vê-se que ainda tem muitos rounds pela frente e a franquia perde fôlego. A impressão do não-fã é de que tudo agora poderia caminhar direto para o último filme. Esperar por mais três longa-metragens para que o badalado confronto finalmente aconteça é ouvir um blablablá de "Harry é o predestinado", "a história desses objetos você não conhecia", "e o passado do professor Snape?", "Voldemort está se fortalecendo", "Hogwarts passa perigo", "os pais de Harry deixaram isso".

O bom fã entende os capítulos de "Harry Potter e a Ordem da Fênix" e "Harry Potter e o Enigma do Príncipe" como vitais para o desencadeamento  final. David Yates consegue ser bem sucedido em sua tarefa e apresenta mudanças sutis, mas importantes em termos de tom da narrativa. Os personagens são ainda mais desenvolvidos e a história ainda mais reveladora. Seria interessante para uma série que se apoia em contos isolados, mas muito desgastante para a série que possui um objetivo bem claro desde o início, que é o confronto Harry vs Voldemort.

Assim, embora o final dividido em dois de "Harry Potter e As Relíquias da Morte" tenha a justificativa de que ainda há muita coisa a contar dos livros, em termos cinematográficos nada mais é do que pura prolixidade. Se no início da franquia era importante manter a escritora com todas as rédeas em seu domínio, agora até lamenta-se não poder enxugar de uma vez a literatura. É como se pedissem a alguém para escrever um poema em uma parede e a pessoa resolvesse colocar "Os Lusíadas". Harry Potter não apresenta um problema interno em sua história, mas audiovisualmente falando, em um sétimo filme, cansa.


Harry Potter e As Relíquias da Morte - Parte II

Chega o momento da esperada batalha final. Como o próprio filme se anuncia, esta derradeira etapa promete ser épica, com emoções de sobra para atender a expectativa criada em dez longos anos. Diferentemente da sonolenta Parte I, a sequência que conclui a saga de Harry Potter tem um ritmo intenso. As mais de duas horas de projeção passam de maneira surpreendentemente velozes e tratam de amarrar todas as pontas da série.

Tudo é detalhadamente explicado novamente. É bom contar com o auxílio de um leitor ao lado, pode ser que você se perca nas rápidas explicações. Se Yates optou pelo clima contemplativo no primeiro filme do fim, nesse segundo ele não poupou correria. Juntos, os filmes poderiam ser mais eficientes. Coloca-se um pouco de velocidade na Parte I, acrescenta-se alguns minutos na Parte II e voilá! Mas a técnica de colocar um ao lado do outro, optando por cada um com uma característica própria, talvez não funcione exatamente bem. O livro é assim? Lamento Rowling, estamos falando de cinema.

Na parte técnica, com uma grandiosa produção de efeitos especiais, direção de arte e maquiagem, o filme é visualmente apoteótico. A trilha sonora era eficaz até meados do longa, mas consegue ser patética justamente quando o fator "batalha" prometia tensão. Em determinado momento, tem-se a impressão de que o filme já está para acabar. Em meio a invasão do castelo, com a luta pegando fogo e a trilha de repente fica calma. Junta-se a câmera lenta e estamos diante de um momento triunfal, a um segundo do fim e... Ei! Olhe o relógio, ainda não aconteceu nada de mais, tem muitos minutos pela frente.

O grande equívoco, no entanto, está em momentos cruciais para uma história. A morte de personagens importantes é tão acelerada como a própria explicação do plano que Snape (Alan Rickman) firmou com Dumbledore (Michael Gambon). Batalha épica requer emoção e dor pela perda de alguém. Bellatrix Lestrange (Helena Bonham Carter) era odiada e todos desejavam por esse momento? Então deixe o público apreciar cada instante da vingança. Não tire o prato ainda quente da mesa.

E Voldemort? Sete filmes depois, muitas aparições, medos causados, danos irreparáveis. Basicamente se construiu uma saga inteira dando ao vilão a mesma importância que tinha o mocinho. Voldemort foi motivo de muitos complexos e questionamentos para o herói. Era digno que o confronto supostamente épico fosse, no mínimo, demorado. Não havia nem a necessidade de fazer como Rocky Balboa, que apanhava até o segundo final de uma luta. Mas para um temido confronto, ao menos algumas alternâncias de domínio poderiam ser aplicadas.

Ainda que possa parecer um completo desastre, o filme em si é um dos melhores da franquia. Embora acelerado, consegue ser muito envolvente. Se o espectador não pegou um detalhe ou outro da trama, não há grande dificuldade em participar junto. Alan Rickman chega aqui ao auge da atuação de seu Professor Snape. O caráter ambíguo do personagem é conduzido com grande competência. Ao final, entende-se cada atitude tomada até então, traduzida pela firmeza de quem estava mergulhado nas angústias desse personagem desde o início. Ralph Fiennes mais uma vez entrega um Voldemort poderoso e marcante, salvo uma certa cena desnecessária em que é o puro retrato da felicidade. Ron Rupert e Emma Watson merecem reconhecimento pela grande evolução, assim como Daniel Radcliffe, embora ele ainda insista em forçar caras e bocas em determinados momentos.

De modo geral, "Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte II" é um grande filme. Uma conclusão merecedora de aplausos pelo conjunto da obra que foi a franquia. Representou o retrato de uma geração de jovens, em um ciclo de descobertas e amadurecimentos, e que ficará marcado como uma das grandes produções cinematográficas. HP merece um destaque de honra nos capítulos da sétima arte, por trazer com muita qualidade a magia e a inspiração ao gênero fantasia, tão banalizado por obras que optaram pelo caminho fácil e esquecível. O clima de nostalgia que vai sendo tomado pelo público ao fim, demonstra o quão o filme pode se constituir como um marco. O apego de longo tempo fica na memória com a certeza do dever cumprido.  É uma grande aventura, que certamente fará muita falta em alguns anos, principalmente quando a vida de cada um que o acompanhou estiver tal qual o desfecho da história, levando seus filhos para embarcar em um mundo novo, com a insegurança de quem irá entrar na Plataforma 9 3/4 e pegar o trem rumo à Hogwarts.


Harry Potter e As Relíquias da Morte - Parte II 
(Harry Potter and The Deathly Hallows, de David Yates, EUA, 2011)
Com: Daniel Radcliffe, Emma Watson, Rupert Grint, Ralph Fiennes, Helena Bonham Carter, Bill Nighy, Richard Griffiths, Harry Melling, Julie Walters, Bonnie Wright, Fiona Shaw, Alan Rickman Carolyn Pickles, Toby Jones, Robbie Coltrane, Brendan Gleeson, James Phelps, Oliver Phelps, Mark Williams, George Harris, Andy Linden, Mundungus Fletcher, Domhnall Gleeson, Clémence Poésy, Natalia Tena, Evanna, Lynch, Rhys Ifans, Matthew Lewis.


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1 comentários:

  1. Parabéns por um post extremamente completo sobre a saga de "Harry Potter". Eu não sou a maior fã da série cinematográfica, mas acho que a série foi evoluindo com o tempo, assim como os atores até culminar naquele belíssimo último filme. Concordo também que o ponto de transição dessa série foi o filme dirigido pelo Alfonso Cuarón!

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